PRECISAMOS FALAR SOBRE ASSÉDIO - NÃO SE CALE
- Fala, Mana!
- 3 de jun. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2018
Ingrid Torres e Letícia Viana

O "Fala, Mana!" busca ajudar mulheres através de diálogos, panfletagens, conversas e informação. Pensando em uma maneira de obter relatos de mulheres que sofreram assédio sexual, sem que para isso elas precisassem se identificar, criamos nosso perfil no CuriousCat, uma rede social (assim como Ask.fm), onde é possível receber perguntas e comentários de forma totalmente anônima.
Recebemos relatos entristecedores, que nos fizeram pensar como nós mulheres temos sofrido. Como nós mulheres temos aguentado tanto. Abusos diários como os dos relatos recebido por nós do Fala, Mana! são comuns, infelizmente devido a fatores sociais diversos. No entanto como podemos ver pelo mesmo, lidar com isso ainda é muito difícil e o dialogo sobre esse assunto ainda é algo pouco articulado e desconfortável para as mulheres, o medo de ser julgada, de agravar a situação, de não ser ouvida assombra a todas que passam ou passaram por abusos sexuais, o que leva as mesmas a tentar minimizar o ocorrido ou a tentar esquecer de alguma forma. Porem, essa repressão apenas agrava as cicatrizes deixadas nas almas de mulheres acometidas pela perversão de abusadores que não escolhem local, idade, raça e classe social, levando ao isolamento, dificuldade de comunicação, dificuldade em manter relações, dentre outras.
A importância de desabafar de forma anônima com pessoas que compreendam as situações pelas quais as autoras dos relatos passam ou passaram é o alivio imediato de um peso que caiu sobre um ser humano a tempo suficiente para deixar marcas eternas no seu ser, mas que quando compartilhado com pessoas que acolhem e compreendem se torna mais leve e a partir dai as vítimas se tornam lutadoras e só querem proporcionar esse alivio para outras mulheres, e desse modo unidas fortalecemos e reerguemos umas as outras através de articulações acessíveis para todas.
É esse nosso objetivo. E não escolhemos enfrentar o assédio sexual à toa. Em números ele é bem assustador. Numa pesquisa realizada com 1.427 mulheres brasileiras, 42% das entrevistadas afirmaram já ter sofrido assédio sexual. O mesmo estudo também revela que um terço das mulheres (29%) afirma ter sido assediada na rua e um quinto (22%), no transporte público. O trabalho é citado por 15%, a escola ou faculdade, por 10%, e a violência em casa, por 6%. Como fator influente, está a cor da pele. Entre as negras e pardas, aproximadamente 45% dizem já ter sido assediadas, diante de um índice de 40% entre as brancas (Fonte: Datafolha).
Os números podem dobrar ou triplicar se somarmos as mulheres que são vitimas do assédio sexual e não conseguem falar sobre ele abertamente. Ainda há aquelas que sofrem e não conseguem identificá-lo como tal, porque o mesmo se apresenta de formas muito diferentes e pode parecer um ato sem má fé, tornando-o, por muitas vezes, dificultoso de um primeiro reconhecimento ou qualquer um posterior. Pode, infelizmente, passar tão despercebido a ponto da vitima se acostumar com sua ocorrência como se fosse algo natural a sua própria rotina. Ou então vir de alguém que é muito importante para ela, como esse relato que recebemos:
"Quando eu era criança, todos os dias meu avô vinha almoçar aqui em casa, no horário de almoço do trabalho dele. Ele sempre era carinhoso comigo. Quando fui crescendo, comecei a rejeitar a aproximação dele, me sentir desconfortável. Não entendia porquê. Ele faleceu quando eu tinha 23 anos... ...Após sua morte, todos os pensamentos e lembranças reprimidas vieram à tona. Eu enfim percebi o porquê eu me sentia desconfortável e estranha ao receber carinhos do meu avô, alguém que eu amava tanto. Meu avô me abraçava tocando meus seios. Sempre me abraçava por trás, colocando a mão nos meus seios, beijando meu pescoço e passando a mão na minha genital."
O fato de ninguém dizer nada a respeito também pode contribuir para fazê-lo parecer normal, algo com que uma mulher precisa estar sujeita apenas por ser mulher e ter nascido com certas características congênitas. Portanto, um problema em níveis que ainda não são totalmente claros.
É importante falar do assédio, é importante que você não se cale. Porque quando falamos dele, tornamos ele tangível, algo real, que está por aí, que acontece, que nos sujeita. Se ele pode ser tateável, ele pode ser destruído e um primeiro passo para isso pode ser o simples ato de verbalizar, externar, colocar para fora. Romper o ciclo do silêncio que cria um ambiente em que o assédio sexual continua acontecendo e ajudando umas as outras no caminho.

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