In Memoriam: Mércia Nakashima
- Luana
- 23 de mai. de 2021
- 5 min de leitura
Lembro-me bem do dia em que o corpo de Mércia Nakashima foi encontrado, a imagem transmitida pelo helicóptero da TV Band mostrando seu irmão Márcio chorando na frente do corpo da irmã sem vida dificilmente sairá da minha cabeça. Eu tinha 16 anos, acompanhei o caso de perto. Na época, o termo “feminicídio” ainda não era popular, apesar desse tipo de crime acontecer frequentemente com as mulheres brasileiras. Mércia entrou para as estatísticas, após ter sido assassinada por seu companheiro Mizael Bispo, todo o caso foi televisionado, desde a angústia dos familiares pela busca de informações até a localização de seu corpo na represa de Nazaré Paulista, e tenho certeza de que marcou inúmeras meninas/mulheres do país, que começaram a entender que o perigo pode estar do nosso lado.
Não há fórmulas para entender um feminicídio, mas a causa exata é certa: machismo estrutural e o sentimento de posse do companheiro. Mércia já não namorava Mizael quando foi morta, ela tinha se livrado de um relacionamento abusivo, porém, inconformado, ele tirou sua vida. Negou, como todos os feminicidas fazem, mas as evidências não mentem! Não podemos esquecer Mércia, precisamos honrá-la e combater esse tipo de crime que fere nosso direito de existir.

RELEMBRE O CASO:
Mércia Mikie Nakashima nasceu no dia 6 de outubro de 1981, em Guarulhos-São Paulo, era advogada por formação, e tinha 28 anos na época dos fatos. O dia 23 de maio de 2010, foi o último dia em que a família de Mércia a viu com vida. Após um almoço de família, na casa de sua avó, eram 18h30 quando ela decidiu voltar para casa, o caminho de volta não era muito longo, demorava cerca de 5 a 10 minutos, porém, segundo relato dos familiares, antes de sair, Mércia recebeu um telefonema: era seu ex-namorado e seu ex-sócio num escritório de advocacia, Mizael Bispo de Souza.

Depois de 2 dias sem dar notícias, a família começa uma busca por conta própria, sem sucesso, os seus familiares, registram seu desaparecimento na polícia, assim começa o pesadelo da família Nakashima. 4 dias de desaparecimento, o ex-namorado de Mércia, vai à delegacia por conta própria para prestar depoimento, mas suas atitudes suspeitas, e alguns fatos que falaremos a seguir, o tornarão o principal suspeito do crime. A primeira atitude suspeita de Mizael Bispo, foi a ligação para Mércia no dia de seu desaparecimento, a segunda, é o fato de que seu carro foi visto próxima à casa da avó da vítima, no dia do crime, ele confirmou a informação e disse que estava com uma garota de programa no dia. Após várias informações e fatos contraditórios, a culpa apontava para o ex-namorado de Mércia, mas como qualquer feminicida, ele negava covardemente.
Os rumos da investigação mudariam após uma denúncia anônima, no dia 10 de junho, 18º dia de desaparecimento, a denúncia foi feita diretamente para a família. A testemunha, um comerciante que estava pescando na represa no mesmo dia do desaparecimento de Mércia, ouviu gritos de mulher na noite do crime e viu um carro ser empurrado para dentro d'água após uma pessoa descer de dentro dele. Com essa informação, a polícia conseguiu achar o carro da advogada, que estava na represa de Nazaré Paulista, submerso a uma profundidade de aproximadamente 6 metros, o carro estava com o vidro do motorista aberto e dentro, foram encontrados os pertences da advogada. No fatídico dia 11, o corpo de Mércia foi encontrado na mesma represa. O reconhecimento do corpo foi feito pelo seu pai e irmão, o reconhecimento da filha e irmã querida televisionado, a exposição da dor da perda precoce e brutal também doeu nos brasileiros. De acordo com a autópsia do corpo, Mércia levou um tiro no queixo, desmaiou, e como tentativa de ocultação, o suspeito teria empurrado o carro para dentro da represa, causando a morte da vítima por afogamento. Com todas essas descobertas, era uma questão de tempo para que o principal suspeito se tornasse o grande culpado pelo crime.

Com o decorrer da investigação, a polícia descobriu um cúmplice: Evandro Bezerra da Silva, que segundo testemunhas, tinha ligação com o suspeito, e foi visto conversando com Mizael dias antes do crime, o mesmo teria abandonado o seu trabalho depois de descobrir que o carro de Mércia foi encontrado. A polícia tinha seus dois culpados: Evandro e Mizael Bispo, que continuavam negando envolvimento no crime, mas contra provas não há argumentos, Mizael seria incriminado, após a polícia descobrir uma prova incontestável: um pedaço de alga presa no sapato do suspeito, a mesma que segundo a perícia só era encontrada na represa, essa prova coloca Mizael na cena do crime. Com a repercussão do caso na mídia e as provas que confirmam que o criminoso é, de fato, Mizael Bispo, e para quem tinha dúvidas do envolvimento dele no caso, ele oferta a prova final: ele fica foragido mais de um ano, se quem não tem culpa, não tem medo, porquê Mizael Bispo fugiu da polícia?

Já em fevereiro de 2012 ele resolve se entregar à polícia, Evandro também foi preso e o julgamento dos criminosos ocorreu 3 anos depois do crime. Mizael foi condenado a 22 anos de prisão, por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, com emprego de meio cruel e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima) e também por ocultação de cadáver. Evandro foi condenado a 18 anos e 8 meses de prisão por homicídio doloso com duas qualificadoras: meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

A vida de Mércia foi interrompida por um homem inconformado com término do relacionamento, ainda segundo relatos de familiares, Mizael era um homem agressivo e Mércia tinha terminado o relacionamento por medo.
O Brasil é um dos países que mais matam mulheres no mundo, em 2019, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 1326 vítimas de feminicídio no país, quase 90% dos casos as vítimas foram mortas pelo ex-companheiro ou companheiro. Em 2020, os números aumentaram com a pandemia do novo Coronavírus, foram cerca de 1890 casos apenas no primeiro semestre do último ano! Dados alarmantes que refletem o machismo estrutural e a misoginia no Brasil.
A violência contra a mulher precisa ser combatida. Já são 11 anos desde que Mércia foi morta, e esse tipo de crime só têm aumentado, na época, termos como “feminismo” ou feminicídio” não eram divulgados nas mídias como opções de enfrentamento e esclarecimento desse problema social que nos atinge. Hoje, precisamos nos atentar aos sinais de uma relação abusiva, e nos proteger em redes de apoio para que a próxima vítima não seja eu, minha mãe ou irmã! O senso de proteção se resume ao: “nós por nós” e na esperança de que esse pesadelo acabe o quanto antes.
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Pela Memória de Mércia Nakashima e de todas as outras mulheres vítimas de feminicídio.
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https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/
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Não se Cale!
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